quarta-feira, 17 de março de 2010

doce receita, sabor morango

Tem uma música que diz que rir é bom, mas que rir de tudo é desespero. Nem me lembro quem canta, a frase é boa, o intérprete deve ser risível. Assim como quem ri de tudo. Levantei com a língua suando um destilado sabor morango, mas de efeito reverso. Puro veneno. Puto veneno. Não sei de onde veio, acho que da noite bem dormida. Fiquei na cama mascando uma secura por alguns segundos e pensei como são felizes os idiotas. E quem sou eu?

Ai apareceu a frase da música...rir de tudo é desespero...e continuei a mascar. E a omissão? Quem ri de tudo é omisso? O silêncio dos inocentes se equivale à omissão dos covardes? Bom, se olhar do lado, se olhar pra trás ou se tiver veias gélidas para encarar o espelho, verá que precisa mesmo de boa dose de idiotice e covardia para sobreviver.

Ah! A sobrevivência...continuam a respirar aqueles que se omitem do próprio gozo em prol de se manter ali no picadeiro, com a plena sensação de quem guia as atrações, mas de forma alguma percebendo que és aquele(a) que faz rir. Nem mesmo o palhaço é assim tão omisso, mas quem disse que o palhaço sobrevive?
Os omissos, ah! Os omissos, se perpetuam assim mais do que polens, invisivelmente, amargamente. Mesmo que façam o máximo de barulho, que perfurem nossas tripas com o mais afiado dos punhais, nós jamais percebemos a fatalidade do inevitável. Os omissos, ah! Os omissos, doce receita da certeza de abrir os olhos.


terça-feira, 16 de março de 2010

Peso

Fato é que a leveza se instalou. Meu caro amigo, por favor, tiremos as formalidades. Nesta sala branca onde vagam sutilezas, entre cedilhas e trocadilhos, e onde tantas vezes já vagamos, nunca houve segredo.
Você percebe os instantes mais finitos, para falar deles depois e eu saber como aconteceu o que eu não assisti, por estar do lado de dentro, o de lá, o de dentro de mim.
Fato é que a leveza se instalou. Você sabe, eu gosto de jogos e peças e lances. Mas agora, meu amigo, a intenção não vem. Fato é mesmo que a leveza se instalou. Tirou o lugar de algo? Não sei. Não pergunte. Não fale com ela. Estranho, sim. Eu estranho, mas não vou interrompê-la somente para satisfazer uma curiosidade - que eu nem tenho, veja como é fato que a leveza veio.
Sempre há a primeira vez, e esta é dela. Deixe-a nessa pose de pássaro que num galho finíssimo consegue permanecer. Porque tudo em seu corpo, seu equilíbrio, sua massa, formaram-se para que fosse assim. Fato é que a leveza tomou posse. E titubeou por dois segundos não percebidos.
As duas flores que dormiam no pequeno vidro caíram sem se curvar. Mas o vento que chegou e levou tudo em volta sequer viu. Elas ficaram mais vivas depois de tudo. E as cores voltaram intensas, como não se viram antes, exceto nos primeiros dias, talvez. Uma alegria tatuou pétala por pétala. E elas não murcharam mais.
Antes e depois. Nascemos e morremos contrastando as cores. E quando se ganham este quê que não é liberdade, porque não estavam detidos, nem felicidade, porque esta tinham também, inevitável é a comparação. Porque é inevitável entender que a leveza tomou lugar.
Nos chega velho e feio quando alguém diz que a esperança brilha nos olhos. Pobre construção - mas que a gente enxerga, queira ou não. Ela não sabia um jeito de viver essa felicidade estranha, diferente. Ele não a tinha, mas vivia. Assim, ficava mesmo impossível saber quem pecava mais: ela, que escondia sozinha uma sensação que não deveria sentir tão cedo, ainda que não tenha escolhido sentir, ou ele, que conseguia tão bem fazer brilhar os olhos. Depois da partida, outro peso, outra medida.
Ela escreveu para ele: não sinto os sentimentos, porque você levou eles todos. Mas a segunda parte ele não ouviu. Quando se encontraram, ele já tinha escrito a ela: não sabia o que fazer com eles, joguei-os fora. Mas ela não recebera.
Ela chorou, e seu arrependimento só não foi maior que a raiva. Sempre achava que a culpa era toda dela por escolhe-lo e depois não saber lidar. Ele parou de chorar e partiu em busca de outras escolhas, antes de ver as lágrimas dela. E ele queria tanto ficar! E ela queria tanto que ele nunca tivesse partido.
Fato é que a leveza se instalou. Do resto, não vamos mais dizer.

segunda-feira, 15 de março de 2010

então encontro


então encontro uma janela, mas não quero abrir ou não quero que abram? ou simplesmente espero que escancare diante dos meus dedos no mesmo instante em que se arregalam os olhos e aperta o peito.

então encontro um nick, convidando para um jogo de palavras. deixa esse nick pra lá, pura sucessão de termos sem link

então me espanto....que post foi esse que me sucede? tá animada a moça que escreveu? ou tá com as mãos leve, esperando para uma dança? sei lá, mas confesso que reli algumas vezes, admirando o estilo e como parece expressar um sentimento em cada frase, teclar um letra por vez como se destilasse, como se embebedasse, como se deleitasse imaginando ações nascidas no passar dos olhos. posso falar mais um pouco desse post? perturbador o negócio hein...até tentei localizar a moça pra saber das origens, mas em vão, anda sumida, parece o batmam escondido na noite de Gotam...estará apaixonada, re-apaixonada ou escondendo tão explicitamente um amor com vinhos por alguém que nem se toco?

então uma janela se abriu:

-"tudo volta ao zero depois de um contato"

-"tudo volta a mais nada no meu caso...zero seria muito e minha cabeça tá culpada por uma série de coisas"

- "mas mesmo assim....volta tudo na cabeça, volta a zero"

- "agora nao..agora vc ainda pode dizer "to a tanto tempo sem contato"


li este díálogo em uma nota de jornal, em uma crônica que se faz assim instantaneamente, assim como o post que me sucede...e fico aqui matutando...a moça tá realmente visitando a memória como melhor lhe convem. e que visita arrepiante, cabe a tanta gente...

ou vc não pensou que também já fez isso um dia ou sonhou que alguém chegasse como uma garrafa de vinho

sábado, 13 de março de 2010

Sob os demais

- o que digo?
- que morreu!
- mas quando a virem?
- será outra.
- outra?
- o amor...o amor sendo outro, ela é outra.
- como outra?
- não terá a mesma feição, não vão reconhecê-la! anda, escreve.

Correu para o canto da memória rever o antigo amor. O amor do qual não pôde guardar nada, exceto a vontade de tê-lo vivido, a saudade, a lembrança do cheiro, o olhar. Como guarda! Sabia que não podia materializar aquela memória, mas podia brindar a ela quando bem entendesse. Mais ainda, sozinha!
A sensação era de vinho gelado. E janelas abertas. Vinho que não beberam - como ela prometera um dia chegar com o vinho ...o tempo passou antes. A janela que nunca abriram. Reviver um amor que não viveu era das conquistas mais completas!
Era assim toda vez que alguém fechava a porta para não voltar - corria abrir o que não fazia parte da recente história findada. Porque agora não seria mais traição. Enquanto achávamos que ela vivia o fim de um romance, ela se deliciava com canções que dele nunca fizeram parte. Que faziam parte dela. E que agora podia ouvir sem os fones.
Amava-o (falo deste amor antigo)? Não...amar sempre amava ainda por uns dias o último, mas reviver, só revivera aquele - de tantos sonhos atrás. De poucas madrugadas de violão e lua alta.
Era capaz de sonhar, viver, entregar-se, sem perder a lembrança exata de quem já seguia tão longe. Era capaz de erguer-lhe o lenço branco, pagar a passagem, jurar que desejava vê-lo morto. E não queria sua presença. Garanto! Queria mesmo era amá-lo assim. Por isso sempre voltava para tirar a poeira da velha lembrança. Juntos para sempre. Frase que ele não disse. Juntos novamente, cada vez que alguém ia embora.
Depois de tantas despedidas, vinham sempre essas chegadas. Por isso ela recomeçava quando batia o final. E por que sempre ele? Por que merecia? Porque com ele não vivera, a que teria que devolver-lhe? Deste nunca estava vazia. Este, amaria. Mesmo sob os demais.

("o paraíso, ele paira no ar" - estou mesmo é falando de você)

sexta-feira, 12 de março de 2010

trecho "O sacrifício" - Franklin Távora

Para mais realçar a suavidade do quadro, em vez da casa antiga, onde cantavam os tais pássaros, vê-se no fim da estrada a graciosa capela de Nossa Senhora da Conceição, que é o principal ornamento daquele primoroso Éden. Através das janelas da sagrada habitação, vozes inspiradas de elegantes e inocentes virgens vão ressoar no vasto arvoredo por ocasião das novenas, que os devotos e vizinhos da Santa celebram em dezembro, época em que a estrada aumenta de delícias, porque os cajueiros e as jaqueiras embalsamam com seus aromas o ambiente, e é tudo ali alegria, florido, e tudo fala de paixões moderadas, sem desejos desonestos.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Minha culpa



Sei lá! Sei lá! Eu sei lá bem
Quem sou? Um fogo-fátuo, uma miragem...
Sou um reflexo... um canto de paisagem
Ou apenas cenário! Um vaivém
Como a sorte: hoje aqui, depois além!
Sei lá quem sou? Sei lá! Sou a roupagem
De um doido que partiu numa romagem
E nunca mais voltou! Eu sei lá quem!...
Sou um verme que um dia quis ser astro...
Uma estátua truncada de alabastro..
Uma chaga sangrenta do Senhor...
Sei lá quem sou?! Sei lá! Cumprindo os fados,
Num mundo de maldades e pecados,
Sou mais um mau, sou mais um pecador...

Florbela Espanca

segunda-feira, 8 de março de 2010

convite, desde que seja para continuar


recebi um convite. escrever um conto. mas contar o quê? contar pra quem? só se for minha sucessão de tropeços e cabeçadas. cade aquela pessoa que habitava esse corpo? um dia existiu ou só esté por ali, tomando um fôlego? eu avisei, ser anjo de alguem nao é tão fácil assim, ainda mais de uma alma inquieta com a minha. então pedi um choque de realidade. nada feito. é tão complicado assim assumir ou não há o que assumir? então zombo de mim, zomba de mim, que seja assim enquanto faz o caminho de volta do portal que um dia ousou transpor. procurei provocar mesmo, tentei arrancar. porque achei que se fosse esperar nunca mais falaria...mas eu pergunto se é melhor pra nós nunca mais nos vermos e sempre diz que não...pedi para que pedisse para mim nunca mais falar ou encontrar, mas definitivamente nao consegue, segue por outros caminhos da prosa....que seja assim, que a nuvem mostre de vez seu fim. porque parece que rodo em círculos e tem alguém que desconheço adorando. que eu pelo menos continue a fazer rir.