terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Você é


    Marisa Monte sempre esteve entre minhas melodias de ouvir enquanto estudo, ou enquanto paro para não pensar em nada - nem mesmo na letra da música. Hoje, essa canção me chegou como muitas coisas bonitas que convivem ao nosso lado minuto a minuto, mas que notamos somente um dia, um dia qualquer, e então finalmente lhe damos moldura.
    Muitas outras coisas na vida são assim: ter filhos, parar de fumar, deixar pra trás uma briga antiga...coisas que poderiam ser simples se tivéssemos reparado nelas anos antes, mas que chegam exatamente quando há maturidade para que aconteçam - logo, chegam na hora exata.
    Esta música não passa de uma carta escrita em 1991 por uma prima da Marisa (Monte), depois de uma conversa que tiveram sobre anseios e ansiedades. A sorte foi tanta que ninguém menos que Nando (o Reis, que não é nada meu, uma pena!) estava com ela, e ficou com a carta, apreciando. Ao voltar de uns compromissos, Marisa Monte ganhou uma música, uma canção sobre seus próprios tesouros e qualidades. Por modéstia, ficou anos sem cantá-la. Por distração, fiquei anos sem percebê-la.
    Nando Reis botou o texto em terceira pessoa, dizendo então "ela". Hoje, retorno à escrita original, e digo "você" - que pode tanto ser eu, que pode tanto ser você, AGT. Ou cada um é uma linha diferente, mesclando-nos, se somos mesmo o reflexo do que o outro queria ter sido, em outros tempos.
    E quando todos os dias parecem iguais, lembre-se de que precisamos também deles, para o constraste dos dias diferentes. "Despreocupa-se e pensa no essencial. Dorme e acorda"


Gerânio

Você que descobriu o mundo
E sabe vê-lo do ângulo mais bonito
Canta e melhora a vida, descobre sensações diferentes

Sente e vive intensamente
Aprende e continua aprendiz
Ensina muito e reboca os maiores amigos

Faz dança, cozinha, se balança na rede
E adormece em frente à bela vista

Despreocupa-se e pensa no essencial
Dorme e acorda

Conhece a Índia e o Japão e a dança haitiana
Fala inglês e canta em inglês
Escreve diários, pinta lâmpadas, troca pneus
E lava os cabelos com shampoos diferentes
Faz amor e anda de bicicleta dentro de casa
E corre quando quer
Cozinha tudo, costura, já fez boneco de pano
E brinco para a orelha, bolsa de couro, namora e é amiga
Tem computador e rede, rede para dois
Gosta de eletrodomésticos, toca piano e violão
Procura o amor e quer ser mãe, tem lençóis e tem irmãs
Vai ao teatro, mas prefere cinema
Sabe espantar o tédio
Cortar cabelo e nadar no mar
Tédio não passa nem por perto, é infinita, sensível, linda
Estou com saudades e penso tanto em você

Despreocupa-se e pensa no essencial
Dorme e acorda

(Composição: Nando Reis, Marisa Monte, Jennifer Gomes)

e no mais, estou indo embora

e no mais,
um ano depois
ainda sinto falta
da sua boca
e no mais,
um ano depois,
manteve a porta aberta
e o sorriso que esconde
e no mais,
um ano depois,
mostrou que pode
mesmo com saudades
e no mais,
um ano depois,
acompanhou meu querer
aqui e nas linhas por ai
e no mais,
um ano depois
prefiro não opinar
sem optar, prefiro 2011
e no mais,
um ano depois
deixo que vá longe
porque sabes
que estás aqui do lado
e no mais,
um ano depois,
estou indo embora
volto,
sem saber quando,
mas volto

domingo, 19 de dezembro de 2010

Achou

Investir / É cultivar o amor / Se despir / É ativar
Resistir / É aturar o amor / Insistir / É saturar
Aderir / É estar com seu amor / Adorar / É superstar
Aplaudir / Até sentindo dor / É amar
Quem puder / Viver um grande amor / Verá
Consentir / É educar o amor / Seduzir / É cutucar
Amarei! / É conjugar o amor / Não amei! / É enxugar
Avançar / É conquistar o amor / Amansar / É como está
Como estou / Com muito amor pra dar / Eu dou!
Quem estiver / Atrás de um grande amor / Achou!

(composição: Dante Ozzetti / Luiz Tatit)
.

sábado, 18 de dezembro de 2010

S A C O O O O !




Meu caro, leia sem demora. Aceite sem escolhas. Aprenda se não for cabeça-dura como eu. Retiro o que disse na postagem anterior, gostar é quebrar a cara mesmo, e não deixe de arriscar a sua. É o que dá ritmo ao mundo que gira tão despercebido.
Gostar é comer um pedaço de papel, sabendo que é papel, com gosto de papel, mas com a disposição total de pensar que é um gostoso wafer com muito chocolate.
É comprar até o filtro do café ou o enxague bucal, pensando naquele ser tão desconhecido quanto a nossa capacidade de entender que ele nem vai reparar.
Nem a encomenda tão esperada, ou o amigo que veio de longe, conserta a tristeza de um dia azarado entre você e ele (ou ela, tô me redimindo com você, sócio).
É esperar uma semana por algo que não acontece, e se sentir um cachorro molhado, um vestido novo com vinho tinto, um penteado desfeito. É desaforo! É saco cheio!
É pintar as unhas dos pés e depois escolher um sapato fechado. Comprar sorvete pra vê-lo derreter.
Gostar é um bicho-de-pé - oh, se é! E a gente quer mesmo é coçar, sem tempo pra se livrar.
Filho, gostar é igualzinho se proteger da chuva, e quando ela passar ir lá puxar as folhas das árvores e se molhar inteiro.
Parece a falta do que fazer encontrando a vontade de matar o tempo. É se desproteger. É arriscar.
Gostar é subir num pé de goiaba sabendo que a fruta tá podre,  - mas vai que dá pra aproveitar tirando o miolo, né? - cair, quebrar o braço e ainda achar que ficou no lucro.
Gostar é estar colorido por dentro e por fora, numa combinação brega que todo mundo na rua nota, menos você.
É gastar muito mais tempo sofrendo do que curtindo, mas encostar a cabeça no travesseiro e sorrir sozinho antes de dormir.
É enxergar que aquilo pode até ser mal e tal, mas pensar com um suspiro "mas pode até ser que seja demais!"


quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Fim?


Hoje parece confuso, mas dê o próximo passo. Sei que estou boba demais para você nos últimos tempos. A felicidade me chegou desengonçada, a coitada, fazia tanto tempo que não vinha, que agora quer ficar assim, no meio da sala, interrompendo a passagem. Interrompendo talvez um lamento que você quisesse dar. Não que eu não esteja ouvindo seus murmúrios, mas não estou acreditando, é diferente. Penso sim que a conta seja simples, e que essa subtração meio súbita não passa de um "mais" a mais, a chegar após este próximo passo.

Não que eu não acredite que sua barriga ainda gele, ou seus dedos vivam à caça de um vício que não faça aquela sequência de números que você não esqueceu, mas não telefonar não é deixar de viver, é continuar.

Todo passo é avanço, isso que quero te dizer. Quando deixa de se entregar, se ergueu uma vez mais, foi seu por inteiro, fez o que era mais que correto, fez o que era mesmo o melhor - a longo prazo? A curto também, acredite. Penso que vivemos acreditando que as delícias que quebram a rotina são no fundo as únicas razões para sairmos de casa todos os dias para repetidas tarefas. E se não temos uma surpresa a esperar, criamos uma - ou mais. E o inventar perde o ponto de parar, por isso ao chegarmos tão longe nos sentimos perdidos ali. E quando nada acontece, ainda que estejamos tentando, é como se tívemos então chegado ao ponto final.

Dê mais um passo. Haverá uma porção de sabores melhores logo adiante. Não pense que não. Li seu recado, entendi como uma simples frase carregou um mundo de sentidos, exatamente como se tudo parasse ali, naquele trecho de fala. Mas é só uma opção a mais, já decidida, é verdade, mas uma alternativa, tão real quanto tantas outras. A diferença é que não precisará optar. É e assim que vai ser - e o melhor vai ser. Olha, um dia inventei que um sonho havia escapado do travesseiro e estacionado logo abaixo da janela, mas era apenas visita na casa do vizinho, e meu coração tremeu me dizendo que estava muito aliviado porque entendeu que há tempos se enganava, mas que agora soube que isso era o melhor - e o melhor vai ser pra você, sim!

Não acredito que se sofre tanto quanto pensamos sofrer. Imaginamos, simplesmente. Dissipe a sensação de fim, talvez falte apenas mais uns poucos passos. Pensando sempre assim, andará muito, pensando que pouco avançou. E quando estiver de olhos quase cerrados, a descansar, um frio no estômago vai lhe fazer saltar para entender que já se chegou muito, muito além, do que seus pés diziam poder pisar.

Acredite em mim. Não tenho garantias a te dar, além do meu sorriso que você não pode ver, e das cores que hoje vivem aqui dentro, e que esta tela não saberá usar. Meu estômago também gela, mas agora eu sei que são aquelas malditas borboletas que prometeram um dia chegar, e eu havia me esquecido delas com o tempo, pensei que fossem bobagens. Não ria da minha cabeça de nuvens. Vem, dê só mais um passo.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

se sente



se sente saudades
é porque sente a boca que não vem
as mãos que não tens
o sarcasmo que desdenhou

se sente o silêncio
é porque sente a respiração próxima
tão próxima
que recuar não pode mais

se sente o pranto,
o próprio pranto
é porque sente a si revogando
e distorcendo
desejos e intenções

se sente o toque no rosto
é porque sente que fez a coisa certa
que fez a coisa certa
quando preferiu calar
e esperar a próxima vez

se sente que terá uma próxima vez
é porque sente cada letra,
cada verso
toda vez que resolve ser feliz

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Tanto Faz*


tanto faz dizer adeus ou tchau

se você se vai

tanto faz dizer adeus ou tchau

se você não se vai

tanto faz dizer alô ou oi

ir ou ficar

tanto faz dizer alô ou oi

rir ou chorar

tanto faz dizer amor ou não

telefonar

tanto faz dizer amor amor

até demais

tanto faz o que você fala

se tanto faz o que você faz

tanto faz o que você fala

se tanto faz o que você faz


mas

se fizer

o que quer

não precisa dizer


tanto faz dizer como vai

se você se vai

tanto faz dizer até mais ver

se você não se vai

tanto faz o que você fala

se tanto faz o que você faz

tanto faz o que você fala

se tanto faz o que você faz


*Arnaldo Antunes Rogério Flausino

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Acontecência




Que bom estar mesmo acontecendo de você chegar e ficar
E eu ficar sempre te devendo umas doses a mais
de loucura, de loucura, de loucura
.
Bom é você não se atrasar pra me achar e eu ser bonita pra espera
E os sapatos combinarem com os passos que a gente quer dar
que a gente foi dar
.
Bom demais ver você chegando cedo de surpresa, leveza e boné
Pedindo pra eu dormir de novo e dando todo o tempo pra eu me acostumar
e tendo todo jeito de se ajeitar
.
Que bom que seus dedos a todo tempo procuram minha mão
Demora beijando meus olhos, dança demorado, ri devagar
fica até tarde, não tarda em voltar.
.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

versos de fim de tarde





cansei...



de trabaiá
de esperá
o tempo passá
...
a labuta findô
os zóio fechô
a vontade kabô
...
a cabeça ferveu
as tripa tremeu
os osso gemeu
...
ninguem sabe o que quiz
quero imbora ser feliz
por enquanto coço o nariz
...
a tarde rajô
a mesmera chegô
meu tempo cabô
...
peguei a chave e saí
sem sabê donde í
dei um xau e parti
...
na rua avuei
meus cabelo ventei
pra onde n´um sei

pronto e fim

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

janelas de ontem


ontem a noite, cairam pingos, ventou bastante, mas resolvi abrir a janela, várias delas...em uma encontrei alguém com quem nao proseava a teeeeeempos. como é bom saber que está feliz, que és uma versão bem acabada de tanta coisa que não fui. sem remorsos, apenas felicidade de saber que alguém pedala por vias exatas, faz do seu caminho algo prazeroso e gratificante.

em outra encontrei uma paixão perturbada. foi uma terapia, creio que para ambos. entre banguelas e desnorteados, nos salvamos e, de certa forma, ajudamos cada um a encontrar o sono à sua maneira. eu, porque ganhei um texto, ganhei não, compartilhei um textoespelhodaalma que cada mente inquieta deveria ter colado ao lado do espelho do banheiro ou pregado no teto para lermos em todo amanhecer. o ser do outro lado da janela ganhou uma reunião que definira uma msg que talvez ajude a retomar uma via interrompida de forma ... sem sentido




que sabe o que encontrarei na próxima curva?
não quero nada, não espero nada,
mas abrirei a janela hoje a noite.




quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

dezembrar


É dormir com as janelas abertas, porque o medo fica pra lá do muro, e quando balança a antena sobre o telhado, aproveito para ri.
É caminhar sem tirar os pés do lugar, viajar sentados na beira do caminho, inventar o que não existe, e aproveitar para inventá-lo ali mesmo.
É parar o mundo inteiro depois de uma ideia absurda, compartilhada com a cabeça cheia de cores.
Escolher o vestido, escolher o brinco, escolher a mesa, e soltar as palavras, sem escolhas
Vestir roupas de ginástica para exercitar a beleza de não se fazer nada, além de imaginar.
Parar no meio da praça, sem hora para ir embora.
Ser uma árvore. Uma árvore grande, de folhas novinhas, que ninguém consegue arrancar, porque estão altas, altas, altas...
Olhar a chuva, e torcer para que o vento aumente muito mais, e molhe toda a roupa, a bolsa, o cardápio.
Pegar sempre o caminho mais longo, pra conversa durar mais.
Combinar e cumprir, não combinar e curtir, combinar e se divertir sem precisar combinar.
Dormir, ser acordada, para dormir mais, acordar e achar que sonhou.
Dezembro eu, dezembras comigo.
Dezembremos juntos, dezembramente livres.

O teu riso

Tira-me o pão,
se quiseres,
tira-me o ar, mas não
me tires o teu riso.
Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.
...
....
...
....
A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.
(Neruda)