"A
alma dá ordens ao corpo, e este obedece imediatamente; a alma dá ordens a si
mesma, e resiste. Ordena a alma à mão que se mova, e é tal sua presteza, que
mal se pode distinguir a ordem da execução; não obstante, a alma é espírito e a
mão é corpo. A alma dá a si mesma a ordem de querer, uma não se distingue da
outra, e contudo, ela não obedece. De onde este prodígio? E qual sua causa?
Manda a alma que queira - e não mandaria se não quisesse - e, não obstante, não
faz o que manda. Logo, não quer totalmente, e por isso não manda de modo total.
A alma manda na proporção do querer, e enquanto não quiser, suas ordens não são
executadas, porque é a vontade que dá a ordem de ser a uma vontade que nada
mais é que ela própria. Logo, não manda plenamente, e esta é a razão por que
não faz o que manda. Porque, se estivesse em sua plenitude, não mandaria que
fosse, porque já seria. Não há, portanto, prodígio algum em querer em parte e
em parte não querer; é uma enfermidade da alma. Esta, sustentada pela verdade,
não se ergue de todo, pois está oprimida pelo peso do hábito. Há, portanto,
duas vontades, ambas incompletas, e o que uma possui falta à outra". (Confissões
de Agostinho, Livro Oitavo - capítulo 9).
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