terça-feira, 6 de março de 2018

E eu não gosto disso

Fomos nos sentar e ficamos conversando durante quase duas horas. Contei a ela minha vida inteira, não a passada, mas a que teria no futuro, quando morasse em Paris e fosse escritor. (...) Percebi, a certa altura, que tinha me exaltado ao falar e disse a ela que era a primeira vez que confessava aquelas coisas íntimas não a um amigo, mas a uma mulher.
- É que pareço sua mãe, e isso leva você a sentir vontade de me fazer confidências - psicanalisou tia Júlia.

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Aqueles encontros nos cafés do centro de Lima eram poucos pecaminosos, longas conversas muito românticas, fazendo empanaditas, olhando-nos nos olhos e, se a topografia do local permitisse, roçando os joelhos por baixo da mesa (...) contávamos, com luxo de detalhes, de tudo o que tínhamos feito desde a última vez (ou seja, algumas horas antes ou no dia anterior), mas, em compensação, não fazíamos nenhum plano para depois. O futuro era um assunto tacitamente abolido dos nossos diálogos, na certa porque, tanto ela como eu, estávamos convencidos de que nossa relação carecia por completo de futuro. 

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...fiquei pensando. Era verdade que essa história não era a sério? Era, sim. Tratava-se de uma experiência diferente, um pouco mais madura e atrevida que todas as que eu tinha vivido, mas que, para que a lembrança fosse boa, não deveria durar muito. 

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No lotação, de volta para a rádio Panamericana, passei da humilhação à soberba. Nosso amor já durara o bastante. A qualquer momento seríamos descobertos e isso causaria sarcasmo e escândalo na família. Além do mais, o que eu estava fazendo com uma senhora que, como ela mesma dizia, quase tinha idade para ser minha mãe? Como experiência, já estava mais do que bom. 

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- Acontece que eu poderia ser a sua mãe - disse tia Júlia, e seu rosto se entristeceu. Foi como se a fúria tivesse passado e, em seu lugar, restasse somente uma velha contrariedade, um profundo desalento. Virou-se, deu alguns passos até minha mesa, parou muito perto de mim, seus olhos fundos postos nos meus: - Você me faz sentir velha, sem que eu seja (...) E eu não gosto disso.


trechos de "Tia Julia e o escrevinhador", de Mário Vargas Llosa. 


O Dia Seguinte (1894/95), Edvard Munch | National Gallery of Norway | Oslo - Noruega


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