Chuva! Frio! Pautas! Fome! Barulho perfeito entrando pela janela! Vontade de mergulhar num bom livro! Vontade de parar de pensar ao menos por alguns minutos. Amigo perturbado (só um???), eu perturbando a vida de alguém com as complicações que é ser um poço de dados que nunca sossegam, o som do rádio me perturbando. Sono! Vontade de nunca dormir. Vontade de ver as fotos que a Graziela nunca manda, que o Clayton nunca manda, que o Itiro nunca manda. Vontade de correr na chuva - se não tivesse frio. Pés molhados. Vontade de que comece logo a seleção de boleros nesta AM que a profissão escolhida (escolhida???) nos obriga a acompanhar. Vontade de colocar um som. Vontade de ouvir Ibrahim misturado com o barulho de chuva - que agora parou! Puta impaciência! E até o som da chuva pára quando eu quero curti-lo! Vontade de ter todas as vontades do mundo. E realizar nenhuma, para que não terminem. Impaciência.
Agora a radialista começa a ler os jornais da cidade. E aproveito para saber como ficaram as matérias que escrevi ontem e sobre as quais já não me passa quase o assunto pela cabeça. "Não vou discutir", responde a alma gêmea textual com quem tento um diálogo menos neurótico. Somos neuróticos. Hoje está sendo um dia neurótico. Chuva fina, fria e constante; céu nublado como eu adoro, ruas vazias e alagadas, pessoas quietas e bem agasalhadas; um e-mail-crônica exclusivo para a minha caixa de e-mails logo pela manhã; um convite para rever amigas de velha data, fofocas ditas em códigos com a pequena grande amiga que vejo tão pouco e sabe tão detalhado das minhas confusões - até mesmo antes de eu comete-las. Uma quase-discussão com a pessoa que eu devo perturbar muito, porque se irrita só de ouvir a hipótese diálogo-com-a-Amanda. Idéias contraditórias no mesmo espaço. Vontade de organiza-las, mas, mais ainda, vontade de deixar para organiza-las mais tarde. Vontade de não ter vontades. Vontade de escrever qualquer coisa bonita e depois ouvir daquela exigente alma gêmea textual que eu escrevi exatamente o que ele escreveria.
Mas a música me irrita de novo. O frio me deixa impaciente. Pés molhados. Mãos geladas. Vontade de que alguma vontade substitua todas as outras. Mas qual? Vontade de parar de pensar por alguns minutos e depois retomar tudo, só para saber quais pensamentos me tomariam primeiro. E assim eu os nomearia "importantes". E assim eu escolheria as vontades. Os passeios. Os amigos. O marido. O modelo do vestido. O nome dos filhos. O caminho para casa. O canal de TV. O livro. O minuto certo para ter vontades.
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