domingo, 2 de março de 2008

Ela me escreveu e pediu que eu respondesse...e quando fui ler quase precisei interromper para correr para cá..me esconder. Na verdade, interrompi. Já imaginou uma amizade nascida em salas de aula e conversas de bancos de pátio morar debaixo do seu travesseiro e aparecer nos brindes dos pacotes de sucrilhos como se você não pudesse mais saber que idade tem? E como se eu não pudesse mais saber quem foram meus amigos de infância depois das primeiras linhas, fiquei sufocada. Parei. Olhei à minha volta, buscando os cacarecos e bibelôs a quem não dei uma espécie de santuário que ela deu e que uma vez vi, obrigando a voltar comigo uma sensação de culpa e intriga pelas duas partes da viagem, sem pausa na baldeação. Encontrei uma bailarina, mas que não é da coleção, e sim presente de amigos no ano passado, talvez pra me avisar de que não devo me esquecer das outras empoeiradas nas caixas. E quis que ela tivesse ido me ver dançar.
Voltei à leitura, e quis ainda mais pelo caminho, imaginando como ela se divertiria se eu a colocasse pra ser justo a Chapeuzinho no teatro onde eu mandava nas crianças da rua com uma convicção que hoje chego à quase-vergonha quando encontro algumas delas nas ruas. Tantas, pelos cabelos tingidos e semblante maduro, quando não as que carregam outras crianças com tênis do homem-aranha ou camisetas com escritos que ninguém entendeu, me irritam ao me lembrar que terei que escolher outra para o papel. E eu paro sem perceber e tenho logo quatro ou cinco roteiros que sei que terei que adaptar a cada segundo aos seus xiliques e palpites e o quanto isso vai quebrar minha concentração. A menina sistemática teria problema cardíaco cedo, por levar a sério os detalhes da produção que ela confundiria já no "cheguei, pessoal".
Mas eu queria mesmo era que ela tivesse ido me ver dançar. E quando estreei com a sapatilha de fazer bolhas, tem gesso na ponta, por isso eu não caio! E quando parada no palco por longos segundos porque a parte da música é assim mesmo, calma! ela faria barulhos com o saco de pipocas pra me lembrar que íamos pra casa dela depois e eu assopraria o castelo de cartas de cara e arrancaria com pressa todos os grampos do cabelo pra gente dar espaço pra qualquer idéia que quisesse balança-lo.
Queria ter feito-lhe um texto, mas pro teatro, pra ela mexer todos os sentidos de uma só vez e no dia da apresentação os pais não entenderem nada da gente, porque adulto pra entender criança pensa logo que precisa reduzir alguma coisa, e reduz e bóia tanto e por isso mesmo não gosta, achariam esquisito, talvez dessem um vídeo game pro filho e a gente ia rir tanto de deitar as costas na calçada.
E depois que terminei de ler, parei na foto que ela escolheu pra representar duas dela, ou duas de mim, ou duas de quem? Se somos tão diferentes! E eu que ao conhecê-la de cara quis levar pra casa um pedaço de sagacidade ou ousadia to ouvindo agora que ela já tinha algo de mim bem antes de eu saber que onde moro não é a única cidade do mundo e que pode-se demorar algumas horas para chegar ali onde a gente combinou.
E depois de conhecê-la tanto, eu desconheço a partir de hoje. Porque agora temos exatamente tudo pela frente. Teremos a infância juntas, e na infância não se conhece a saudade.

(à Graziela Nunes, que ainda é apenas a Grá, mas que será jornalista, das melhores, aposte nela)http://aroeiramanenguera.blogspot.com/

4 comentários:

Graziela Nunes disse...

Tô aqui, caindo aos pedaços...Se não fizer algo por você agora mesmo, serei obrigada a lucrar com a sua morte, se for antes de mim. Bota esses textos pra andar. Você é a do futuro mais brilahnte. Tem um nó na minha garganta!

Anônimo disse...

liiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiindeza e delicadeza visitei pela primeira vez e me encantei , um abraço

Anônimo disse...

"divina e graciosa", e eu sequer conheço seus olhos! perfeitas palavras. parabéns!

Anônimo disse...

Amanda, quem é essa pessoa? Existe ou é ficção!?! Adorei muito o seu texto, querida! abraços!!!!! Luis Felipe