domingo, 31 de outubro de 2010

Esquecendo os ritos



- O mês mais bonito do ano, sem dúvidas, é outubro, moça.

Se lhe dissessem antes, não acreditaria. Necessário se fez o vento mais forte do que ela pensava suportar, e a tarde encardida de um sol amarelo manga. Por que, ao falarmos da felicidade em nós mesmos, o fazemos em terceira pessoa?

Outubro começou quente e apressado, e foi notado somente no meio da tarde. Tanto trabalho naquele dia.

A moça que pensava que seu maior intento para as próximas semanas seria desenhar, calcular e rabiscar todos os próximos dias do ano, não contava com uma coisa. Deixou as janelas abertas, justamente por achar que estava no controle do chão, do céu, do mundo todo.

Enquanto misturava algumas tintas sem cor - ah, ia forjar um amarelo que convencesse ao menos por fotografia ou por relance, a quem passasse assim, longe, longe - as cortinas se encheram de ar, alcançando o meio da sala.

Justo na noite em que telefonou para avisar que não iria, preferindo dedicar-se a um boneco de pano, que não existe além das declarações exacerbadas e tentativas de parecer sincero. Justo na noite que separou para que nada acontecesse: as cortinas!

Depois, não se falou mais naqueles rascunhos - a estratégia que tanto elaborou.

Ah...pés descalços na meia-calça; achocolatado gelado; meia luz; platéias de teatro; suco de clorofila, piadas, danças de rostos colados que se esquecem dos pés; canções desafinadas, risadas que não se cansam; beijos na mão, nos olhos, no rosto, estalado, antes de deixar o sono tomar conta; conversas longas; fins de tarde e seus pores-do-sol, janela aberta por toda a madrugada, pra que a claridade chegue antes da confirmação de que o presente é real.

- Moça, está esquecendo suas sacolas...

Ela sequer olhou pra trás. Agora vive assim, como meninas de cacholas no mundo da lua. Desde a noite das cortinas. Depois de lá, todos os dias foram de presentes. Um seguido do outro. Sem cessar.

- Outubro é o mês mais bonito do ano!

- rs...sim, eu lhe disse, moça.

E ela seguiu sem sequer levar as sacolas. Aprendeu a ser inteira, sem acessórios.

Nenhum comentário: