domingo, 17 de agosto de 2008

Gôndolas



Manhã triste de domingo feliz. Sonhei que você carregava o carrinho, que levava duas bolsas pretas: a que tinha os meus sonhos e a que tinha os seus. Não esbarrava em ninguém, naquela primeira compra que já parecia rotineira.
Foram 13 minutos escolhendo o perfume do sabão em pó e votamos unânime no "Dançando na chuva" porque você disse que era indispensável o nome poético - depois saberíamos que o cheiro nem era bom. “A primeira compra para a casa que ainda não dividimos” – não tem problema, esperar sempre nos pareceu bonito.
Os sabonetes foram fáceis de serem jogados para o carrinho porque a marca era das melhores e o preço era bárbaro! Compramos logo vários. A manteiga também estava em promoção. Ah...e sem contar os leites com sabores ótimos por um precinho irresistível. Leva-se logo uma sacola. Depois saberíamos que elas nunca devem ter o peso dos nossos sonhos – e eu passaria dois dias inteiros com os braços doloridos.
Na fila do caixa recebi um telefonema de mamis dizendo que ligaram pra eu fazer uma entrevista pra uma editora famosa de Sampa. Mas a notícia nunca conseguiu ser maior que a felicidade daquela simulação – nós já moramos juntas e em Sampa. Pode dispensar a entrevista, mãe. E depois de passar pelo caixa, atrasamos a saída para preencher vários cupons – “pra ganhar um caminhão?” – e só agora me lembrei que o sorteio foi ontem!
Ainda em nosso passeio, entre os sabores “quatro queijos” e “brócolis” da prateleira de macarrão instantâneo, contava-lhe as últimas, nem tão novas assim, do que eu chamava “amor da minha vida”, e você gargalhava alto. E eu gostava dos desconhecidos que olhavam quem é que estava apaixonada no mundo. E eu o citava pelo nome! E ficava feliz por ser tudo indiscreto assim.
Um fim de tarde de compras e incontáveis cumprimentos gentis de “me desculpe”, “pode passar”, “não foi nada” de incontáveis pessoas irritantemente educadas. Você não sabia onde ficava o sabonete e eu não encontrava iogurtes e a sopa de feijão. Jogávamos para o carrinho as risadas colhidas de cada produto que pegávamos só para ler preço, calorias, valores nutricionais, e depois devolver no lugar errado.
Muitas prateleiras e poucos pedidos. Porque ainda não conseguiram empacotar paciência e conformidade. Enquanto isso, a gente precisa se contentar com bolacha recheada. "Leva um cereal, pra ter um café da manhã chique".
Na gôndola de desodorantes foram mais 14 minutos, e a gente abria todas as tampas e fazia uma minuciosa seleção entre este e aquele. “Cheiro de banho”, você definiu o vencedor da vez. Ficamos um pouco mais para nos divertir com os da prateleira de baixo, de preços bizarros. Você espirrou sem dó alguma um rastro de Rastro no meu cabelo e ombro direito. Nessa hora eu contava exatamente que o cheiro dele tinha estado comigo. Acordei brigada contigo. E uma saudade de dar raiva.
(*) Qualquer editor inverteria os parágrafos - mas eu preciso terminar pelo meio, pra fingir que ainda pode aparecer outro fim.

3 comentários:

Anderson Augusto Soares disse...

Ir às compras é sempre interessante, exceto quando há tráfego intenso de pessoas. Ir em companhia de uma grande amizade, vira festa. Belo texto, Amanda. Afetuoso abraço.

Anderson Augusto Soares disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Ricardo Mello disse...

Adorei. Consegui imaginar exatamente como deve ter sido divertido, Mandinha!
Beijo enorme